Por Marcus Baptista,
coach e consultor associada EcoSocial
O que escrevo a seguir não tem a pretensão de trazer em profundidade os conceitos desenvolvidos por Rudolf Steiner e a cosmovisão antroposófica. Com certeza ao longo desta edição da Revista Coaching você, leitor, encontrará textos e ideias de qualidade a esse respeito. Minha proposta é compartilhar como, em minha prática como coach executivo e de times, me valho de alguns destes conceitos profundos em benefício da pergunta do meu cliente.
O coaching e a visão trimembrada do ser humano
Quando sou perguntado sobre como integro os arquétipos e contribuições da antroposofia ao meu trabalho cotidiano, sempre início a resposta comentando sobre como a visão trimembrada do Ser Humano, trazida por Rudolf Steiner ao redor de 1917 e sobre a forte conexão que existe com as competências primordiais que caracterizam o exercício do coaching profissional.
Esta visão das capacidades anímicas que todos temos e que se configuram no Pensar, no Sentir e no Querer e Agir norteiam a minha prática e me auxiliam no exercício da minha presença frente ao cliente. Minha escuta mais profunda cria um campo seguro e acolhedor para que o processo de observação e descoberta possa se desenvolver.
Desde jovens, nossos professores sempre nos ensinaram que somos seres trimembrados com cabeça, tronco e membros. O modelo é tão verdadeiro, tão arquetípico que podemos vê-lo com esta mesma configuração, em qualquer personagem criado pelo Ser Humano, até mesmo o mais fantasioso imaginado por Hollywood.
Mas o que isso tudo quer dizer?
Como coach executivo e de times, quando olho para o meu cliente, desde nossa primeira conversa de contratação e ao longo do processo, sempre procuro observar por qual atividade da alma ele é mais movido em seu corpo físico, pelo pensar, pelo agir ou pelo sentir? Para facilitar esse entendimento, vamos por partes:
• Pensar é sempre fruto de uma conexão com o passado, é o racional, é o acúmulo do conhecimento, das lógicas e da memória. Se relaciona com o sistema neurossensorial. É o caminho pelo qual a pessoa percebe-se a si mesma como um ser ativo, capaz de ter consciência dos objetos e consciência de si mesmo. O Pensar é uma atividade primordial e universal.
• Sentir, que nos conecta com o presente, é uma sensação individual que nos permite nos percebermos e sentirmos como seres particulares. É reflexo emocional do que acontece a cada momento vivido. Situa-se entre o Pensar e Querer. Relaciona-se com os sistemas rítmicos circulatório e respiratório. O Sentir atua como mediador entre o Querer e o Pensar participando e influindo em ambos.
• Querer, os atos da vontade, o agir, a ação volitiva se relaciona com os sistemas metabólico e locomotor. Ocorrem sem a intervenção do conceito (Pensar) ou do sentimento (Sentir) num estado de inconsciência ou vigília dormente. Isso porque não temos consciência alguma sobre o funcionamento de nosso metabolismo e de nossos movimentos, necessários para realizar nossas ações. Do ponto de vista temporal, relaciona-se com o futuro, o que queremos vir a realizar.
Nesse sentido, praticar a observação apurada, o reconhecimento sem julgamentos, sem se deixar levar pelas simpatias ou antipatias é o que permite identificar por que caminhos o cliente se expressa na vida. Por exemplo, se diante de uma nova ideia, de um novo conceito o cliente estimulado pelo Pensar relata que já sai correndo para agir como se o Sentir comandasse o seu Querer, ou se dá chance à mediação do Sentir, conectando-o com o Pensar. Em outras palavras, se faz sentido o que se quer fazer, se a vontade genuína que se expressa na ação consciente se origina no sentido que algo faz para a sua individualidade e sua ação no mundo ou não.
Um exemplo clássico de “fazer sentido”, que eu mesmo vivi, acontecia quando nos meus tempos de vida executiva, eu e meus colegas éramos chamados a criar uma apresentação de 20 minutos para uma visita de alguém da matriz da empresa. Todas as áreas se moviam, o setor de marketing passava noites em claro produzindo o material, muitas vezes deixando até de fazer suas refeições para dar conta. Em um certo momento eu me perguntava: mas qual o sentido disso? O que eu estou fazendo? Não raras vezes, no momento da famosa e tão preparada apresentação, o presidente da empresa pulava diversas partes e ia direto para a que, para ele, fazia sentido para os negócios.
Nós vivemos no mundo do imediatismo, e por isso estamos sempre entre uma ideia e uma ação. A rotina nos cobra o imediatismo, a rapidez entre a ideia e a ação e, com isso, falta a mediação do sentir, do fazer sentido. A ausência dele no dia a dia gera, além de frustração, uma cadeia infinita de retrabalhos, muitas vezes vida a fora. Costumo convidar meus clientes nesse momento, a olharem para as decisões mais importantes que tomaram em suas vidas. E escuto invariavelmente que no fundo eram as que mais faziam sentido! A partir desse momento uma nova oitava é alcançada, se abre um novo campo na alma onde a consciência dessas capacidades anímicas, que todos temos, podem ser alvo de um processo mais consciente de integração. É o campo do desconhecido se apresentando, da possibilidade de mudança, como um vazio onde o novo pode acontecer, um vazio fértil, (conceito que Fritz Perls, pai da Gestalt terapia, trouxe do Budismo) onde a criatividade pode ser explorada e a transformação pode acontecer pois faz sentido! É o sentir se ligando ao Pensar cognitivo. É a própria jornada de coaching se materializando.
Para tornar mais claro a dinâmica que existe entre o Pensar, o Sentir e Querer/Agir, podemos usar como exemplo a lemniscata, popularmente conhecido como o símbolo do infinito. A explicação vai além do fato do traço ser contínuo, uma forma sem começo nem fim.
O primeiro círculo significa o pensar, o sistema neurossensorial, é a área do raciocínio lógico, da memória e do pensamento criativo. O segundo círculo, é o agir/querer, são os impulsos e instintos de natureza inconsciente que ganham forma concreta no mundo. A interseção é o sentir, é o sistema rítmico, que fala sobre os sentimentos, as emoções e as relações. É o espaço dinâmico do fazer sentido. A lemniscata simboliza a importância de tudo estar sistemicamente integrado e interdependente. É a representação da própria vida em movimento e mudança.
A escuta ativa, o definhar e a importância da visão integral do coach
Para que eu, como coach, perceba o que está por trás das palavras que o meu cliente está dizendo, para compreender a dinâmica arquetípica do Pensar, Sentir e Querer necessito praticar a escuta ativa que é uma das 8 competências listadas pela ICF.
É o concentrar-se no que o cliente está e não está dizendo, e numa atitude curiosa, entender plenamente o que está sendo comunicado, no contexto e sistemas do cliente.
No meu trabalho de coaching, muitas vezes testemunho pessoas se guiando pela vida quase como zumbis, porque as ações não fazem sentido, elas estão vivendo no modo automático. Essas pessoas que se deixam levar, seja pelo hábito, por modismos, pelas tendências das redes sociais e até mesmo pelas ditaduras dos exageros, acabam por ficar no vazio. Tamanha falta de conexão termina por fazer a pessoa definhar.
Quando falamos em definhar, estamos nos referindo ao seguinte aspecto: dentro deste momento restrito e pandêmico que estamos vivendo, existe um grande número de pessoas com ou a caminho de ter depressão. O “definhar” pode ser um destes sintomas, pois as pessoas seguem “produtivas” e ativas, mas, no entanto, estão neste ritmo em estado anímico, que é uma forma sentimental reativa, é o fazer pelo fazer.
Para mim como coach, usar da minha escuta e da minha presença e apoiado na força do arquétipo da trimembração, me ajuda a me conectar, em primeiro lugar comigo mesmo -condição primeira que me leva a possibilidade do estar presente em contato com a realidade – e com o cliente, o ser humano que está na minha frente, para o início de um caminho de parceria, criatividade e inspiração.
Olhando para a minha experiência de vários anos como coach profissional tenho claro que minha proximidade com a Antroposofia de Rudolf Steiner, com sua visão ampliada do Homem e da vida e seus ritmos em suas mais distintas esferas, e com seu olhar para os arquétipos especial a visão trimembrada do ser humano, tem me ajudado muito a aprimorar minha prática junto ao meu cliente. É como dizer que o encontro do coach com o seu cliente é para ambos um caminho de desenvolvimento que apesar de ser uma jornada absolutamente individual é paradoxalmente algo que para melhor trilhá-la com real sentido é necessário a presença do outro.
(Artigo publicado originalmente na Revista Coaching Brasil, em Junho/2021. Edição 97)
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