Por Meiri Inoue,
coach e consultora associada EcoSocial

“A noite parece adentrar-se profundamente.
Somente no interior resplandece clara luz.”

(J. W. Goethe)

A leitura deste artigo já pode ser uma jornada sobre o tema, uma experiência, uma vivência de experimentação e exploração do mundo das forças da vida, da criação.

Assim, para iniciar, convido para uma experiência de centramento.

Sente-se de forma confortável, num nível de tensão dos músculos apenas suficiente para que eles sejam capazes de manter a coluna ereta. Feche os olhos. Respire fundo três vezes, aquiete-se e crie um espaço interior. Deixe os pensamentos irem e virem sem brigar com eles.

Concentre-se na expressão “Fazendo arte” …. agora libere a expressão, fique com o vazio, mantenha-se na quietude. Repita essa sequência por três vezes.

Sinta gratidão pela experiência vivida.

Abra os olhos e anote as imagens, palavras, sensações e sentimentos que apareceram durante esse centramento.

Guarde a folha. Retornaremos a ela ao final.

O mundo está cada vez mais veloz, cheio de demandas, movimento e fluxo. Perguntamo-nos: O que é verdadeiro e o que é fake? O que é permanente e o que é temporário? O que é essencial e o que é supérfluo? Onde está a verdade, a beleza e a bondade? Para encontrar essas respostas, precisamos aprender a criar um diálogo verdadeiro com os fenômenos (considero nessa palavra tudo com o qual nos relacionamos).

Talvez você se lembre que antigamente, para termos uma foto ou um vídeo, usávamos um filme, o negativo. Ele era colocado na máquina de fotografar e depois dos clicks para capturar a imagem ele precisava ser revelado. Quem foi dessa época lembra que o negativo era muito feio, quase impossível de se imaginar que de lá sairia uma linda imagem. Tudo o que era necessário estava no negativo e a transformação, a revelação, acontecia estimulada pela incidência de luz. Esta é uma metáfora para o que acontece nesses nossos tempos modernos. A coisa parece muito feia, tudo o que é preciso para um mundo melhor já está aqui, e a pergunta é: qual a luz, que incidindo sobre o mundo, pode torná-lo belo?

Percebamos que nosso mundo interno e externo não é algo estático e sim um processo dinâmico, orgânico e contínuo, e em cada instante temos a oportunidade de vislumbrar a essência e o “vir a ser” do fenômeno.

Colocaremos foco na relação do eu superior com o fenômeno. Trata-se de um processo que se inicia com a empatia e vai até percepção do que está invisível no fenômeno.

1 – A partir de uma atitude de extrema pureza e interesse genuíno pela outra pessoa, fazemos a pergunta do cavaleiro Parsifal: “Do que padeces?” Investigamos qual é necessidade.
2 – Essa pergunta, sendo feita em liberdade e com compaixão, abre um portal que nos permite ir além do que os cinco órgãos dos sentidos (visão, audição, olfato, tato, paladar) costumam levar. É possível tocarmos e mergulharmos no outro e vislumbrarmos a verdadeira essência humana. 
3 – Nesse momento, criamos uma conexão com o outro ser humano e que, ao mesmo tempo, nos leva a reconectar com uma parte “perdida” da nossa própria essência, criando uma ressonância.
4 – Ler e entender a ressonância e a experiência vivida nos coloca em contato direto com as forças da vida.

Podemos a partir daqui imaginar como seria a qualidade de nossas interações humanas e com a natureza e o que é possível criar e construir a partir dessa nova compreensão e conexão com o outro!

Esse processo depende, por um lado, da qualidade e da pureza da percepção, semelhante ao olhar puro e empático da criança. E, por outro, da pureza do pensamento, que demanda sermos interiormente repletos de experiências no sentido de aquisição de maturidade interior.

Ao unimos a percepção e pensamento puros criamos o instante sagrado, quando se revela o significado interior, o essencial. É o momento do Ah! Surge uma sensação de plenitude quando o universo parece transparente e radiante. Vemos luz, sentimos calor e criamos o impulso para uma ação necessária para o mundo. É o “fazer arte!” do Ser Humano.

“Se o olho não tivesse sol, como veríamos a luz? Sem a força de Deus vivendo em nós, como o divino nos seduz?” (J. W. Goethe)

Como desenvolver as habilidades de percepção e pensamento puros? A arte e a natureza podem ser duas grandes companheiras neste caminho. Em seu livro “Doutrina das Cores”, Goethe traz:

“o princípio vital da natureza é, ao mesmo tempo, o da própria alma humana … Se um pode ser deduzido do outro, não é porque a natureza e a alma sejam homogêneas em virtude da sua essência, de sua substância, mas porque a natureza é uma representação da alma humana”.

“a natureza oscila com um leve movimento pendular, cria um aqui e um ali, um alto e um baixo, um antes e um depois, aos quais estão condicionados todos os fenômenos, que se manifestam para nós no tempo e no espaço.”

Sugiro experimentar alguns exercícios unindo arte e natureza.

1 – Escolher uma planta e todos os dias, por uma semana, desenhe-a o mais fielmente que conseguir, com todos os detalhes (percepção). Na etapa seguinte, sem olhar a planta, com o menor número de traços, como que numa pincelada, procure chegar no desenho da essência, do gesto da planta. Reconhecer o invisível, a essência.
2 – Desenhar várias vezes, durante um período:
• uma mesma planta,
• uma paisagem vista sempre a partir do mesmo ponto e
• o pôr do solCronos, o tempo cronológico, e Kairós, o tempo de qualidade; contração e expansão; ponto e linha; centro e periferia; parte e todo; Eu e Outro. Trata-se de vivenciar essas polaridades no mesmo instante. Vivenciar percepção e pensamentos puros no tempo e no espaço.
3 – Escolha um tema que você busca uma resposta. Desenhe de forma abstrata, usando cores. Como está esse fenômeno no momento atual? Em seguida, faça um segundo desenho, como você gostaria de ver esse fenômeno daqui algum tempo?”. Intuir os elementos do vir a ser.
4 – Escolher uma planta de ciclo curto de desenvolvimento (como o feijão ou a amarílis). Plantar, observar e desenhar a planta da semente a semente. Diariamente ou a cada dois dias, fazer dois desenhos: a) o que vê e b) como imagina que a planta estará no dia seguinte. Vivenciar as forças da vida e da metamorfose.

Em cada um dos quatro exercícios é importante, ao final de cada ciclo, uma reflexão individual e, idealmente, ressonância com um par: o que esse desenho fala sobre você e o fenômeno? O que aprendeu sobre você e o fenômeno? Qual novo impulso nasce em você?

Esse é um dos caminhos de expansão da consciência: enxergar o que está entre linhas, perceber o vir a ser, compreender e tocar a essência humana do outro. Trata-se do desenvolvimento de órgãos sutis de percepção. Em paralelo surge uma responsabilidade: usar o novo poder em liberdade e com compaixão a serviço da humanidade. É a arte social, a partir de uma nova ética social.

No início da década de 1990, li no prefácio do livro “A arte cavalheiresca do arqueiro zen”, em que o tradutor J.C. Ismael trazia a célebre citação zen: “antes que eu penetrasse no Zen, as montanhas e os rios nada mais eram senão montanhas e rios.

Quando aderi ao Zen, as montanhas não eram mais montanhas, nem os rios eram rios. Mas, quando compreendi o Zen, as montanhas eram só montanhas e os rios, apenas rios”. Há pouco tempo, depois de ter vivenciados os exercícios que citei, compreendi o que ele quis dizer.

Um questionamento que pode aparecer: O que isso tudo tem a ver com ser coach? O domínio da técnica para conduzir um bom processo de coaching é imprescindível, mas não suficiente. Reconhecer as forças de vida e vivê-las, experimentar e explorar a percepção e o pensamento puro por meio da leveza e beleza da arte nos aproxima da essência do ser humano e, consequentemente, nos faz estar realmente a serviço do coachee e das pessoas ao nosso redor.

Nosso esforço e o empenho nesta jornada é em si a nossa forma de autoeducação e que torna a condução do processo de coaching mais autêntica e coerente.

Agora, lembra da folha com as anotações que fez após o pequeno centramento inicial? Lendo-as neste momento, após termos estado “juntos” na leitura deste artigo, quais insights te ocorrem?

Por fim, um pedido: este artigo foi meu esforço, como cavaleira em busca das forças da vida, para colocar no papel minhas vivências e estudos a respeito da importância da arte e da natureza em nosso processo de autoeducação para reconexão conosco, melhoria da qualidade das interações e vislumbre do vir a ser para guiar nossas ações no mundo. A partir do momento da digitação da primeira letra, o relato já se mostra morto, sem vida. O que significa que o que foi trazido por mim aqui não é o conceito em si, mas uma provocação para a experiência e a descoberta. Seria muito bom, para mantermos tudo isso vivo, se pudermos trocar nossas aventuras nesse campo.

Minhas referências bibliográficas:

“Parsifal – um precursor do ser humano moderno”, Sonia Setzer, 2008, Editora Antroposófica.

“Learning to experience the etheric world – empathy, the after image and a new social ethic”, Baruch Luke Urieli e Hans Müller-Wiedmann, 2009, Temple Lodge

“Thinking like a plant – a living science for life”, Craig Holdrege, 2013, Lindisfarne Books

Doutrina das cores, J. W. Goethe, 1993, Editora Nova Alexandria

“A arte cavalheiresca do arqueiro zen”, Eugen Herrigel, 1995, Editora Pensamento

(Artigo publicado originalmente na Revista Coaching Brasil, em Junho/2021. Edição 97)

Veja mais Pensamentos vivos

Veja mais