De vez em quando você fica perplexo com a alta incidência de frustração, desmotivação, conflitos e mesmo “burnout” nas empresas?

Este sentimento fica ainda pior se você considerar que todos foram selecionados criteriosamente e, via de regra, são bem qualificados para suas funções. E, lembre-se: a grande maioria destas pessoas está fazendo o melhor possível, segundo seu próprio entendimento.

Como pode? Onde está o problema?

Minha tese é que o problema está no “…segundo o seu próprio entendimento…”.

Ao entrar na empresa e buscar dar sua melhor contribuição, cada um leu nas entrelinhas o que vale nesta empresa: o quanto é formal ou informal, hierárquica ou horizontal, incentiva ou tolhe a expressão e a criatividade. Até onde cada um entende que pode (ou deve) se empenhar pelas próprias convicções? Como as pessoas se comunicam quando as opiniões divergem? Como lidam com a hierarquia?

Logo identificamos estes códigos pela forma como as coisas acontecem na prática, e então vamos à luta. E este conjunto é o que definimos como a cultura de uma organização: ela é formada pelos padrões de comportamento de seus integrantes. O mais interessante deste tema é que estes padrões são perpetuados pelo constante esforço de todos para se manterem “adequados”.

Então, como apoiar uma evolução na cultura quando percebemos nela traços que não são úteis à organização e aos seus integrantes?

Minha experiência como consultor me mostra que intervenção na cultura precisa começar e terminar onde as coisas acontecem concretamente: em seus processos de trabalho.

Mesmo que não frequentemos o espaço físico da gestão e da produção de uma empresa e a conheçamos “apenas” pelo que entrega e pela forma como atende aos clientes, podemos saber como é sua cultura, pois percebemos indiretamente a qualidade dos seus processos de trabalho.

Olhar para os processos é identificar como eles fluem. É ver se há processos sobrepostos e retrabalhos, vácuos e descasamentos, “atritos” e paralizações. Em que medida estes descompassos geram tempos improdutivos, custos e perdas e de oportunidades? Chegam ao produto ou serviço final? São estas intercorrências rapidamente resolvidos através de diálogos esclarecedores ou arrastadas em polarizações de pontos de vista?

O próximo passo de nossa investigação sobre a cultura organizacional é olhar para as (inevitáveis) interações humanas. Diferenças de pontos de vista têm gerado diálogos frutíferos, desencadeado evolução e inovação, ou têm acabado em resistência (aberta ou velada), emudecimento, capitulação, ou pior, boicotes e outras manifestações destrutivas dos conflitos?

E assim chegamos ao terceiro e mais profundo plano de investigação da cultura: o que faz com que este número grande de pessoas, selecionadas criteriosamente, bem qualificadas para suas funções, dispostas a fazer o melhor pela empresa, funcionem bem quando juntas ou não?

A resposta para este paradoxo é que cada um está fazendo o seu melhor, mas a partir de suas crenças e de seus valores. Ou a partir de como interpreta os valores da empresa. Ou do que “todos sabem como as coisas funcionam aqui”.

Os fundamentos a partir dos quais cada um age podem ser muito diferentes. Um exemplo “clássico”: ser movido pela crença de que o resultado mensurável no curto prazo é o mais importante, ou acreditar, acima de tudo, que um ambiente de liberdade e criatividade gerará resultados no médio e longo prazos.

Inúmeros pares de crenças polares como a desse exemplo podem ser elencados aqui. Quando as crenças de cada um não encontram espaço de expressão no dia-a-dia “oficial”, manifestam-se nos “canais paralelos” como lemas voltados para a sobrevivência: “aqui é cada um por si…”; “o que vale aqui é estar de bem com fulano…”; “melhor não vir com muitas ideias…”. As consequências para clima, engajamento, criatividade e em última instância resultados são inevitáveis.

Se desconsiderarmos as soluções habitualmente observadas nas organizações como ser demitido ou pedir demissão, separação das áreas dos “briguentos” ou deixar uma instância superior decidir, para cada um destes lemas ocultos o melhor “antídoto” é a recuperação da qualidade do diálogo e a revisão das máximas que direcionam os comportamentos, e que, por sua vez, geram a qualidade dos processos.

Conflitos disfuncionais como os destes exemplos são o que encontramos em muitas organizações. Eles representam uma excelente “porta de entrada” para o trabalho com a cultura da empresa. Assim, evolução cultural é provocar, de forma respeitosa, o questionamento dos padrões de crenças e valores que geram os comportamentos que predominam na organização e determinam a qualidade de seus processos de trabalho e produtos. É abrir espaço para o diálogo confrontador, que leva ao diálogo empático e à co-criação.

PETER SUSEMIHL

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