Por Terezilde Sampaio,
coach e consultora associada EcoSocial

Por mais de duas décadas me dedico a apoiar o desenvolvimento de pessoas e sempre percebi a necessidade de potencializar confiança mútua nos times e organizações. Mas de alguns anos pra cá, o que tem verdadeiramente me intrigado é um fenômeno que observo nos processos de coaching e que vem aflorando intensamente: a crise na autoconfiança de executivos. No passado, era comum vermos altos gestores se colocando num olimpo como deuses, já que tinham poder e status. E fazê-los perceber suas vulnerabilidades era uma missão muito difícil. Infelizmente, as organizações ainda estão cheias desses chefes narcísicos e prepotentes.

Hoje, como num movimento pendular, observo líderes com carreiras consolidadas indo para o outro extremo com dificuldades de tomarem decisões, de se colocarem como protagonistas, de fazerem conversas difíceis, etc. Junto com minhas observações surgiram algumas questões: por que executivos bem-sucedidos em suas carreiras começam a não acreditar em si mesmos? Como na relação de coaching podemos apoiar o performer a cultivar a autoconfiança? Como times podem cultivar e potencializar a confiança? As respostas a estas perguntas são múltiplas e complexas, e neste artigo compartilharei algumas pistas que encontrei ao longo dessa meta pesquisa.

“Confiança é uma das palavras de ouro que, no futuro, deverão dominar a vida social. Amor pelo que se tem a fazer é outra palavra de ouro” (Steiner, 1927). Percebo que esse futuro, citado por Steiner no qual a confiança será imprescindível, já chegou e a pandemia só faz acelerar esse processo. Para a Antroposofia, a confiança é uma força construtiva da vida social. É uma força, pois através dela podemos em liberdade fazer a escolha de compartilhar algo que é nosso com o outro e assim também receber algo de volta. Lex Bos (1997) diz que a confiança carrega em si a característica da fé, do amor e da esperança. Estas são virtudes essenciais para viver tempos obscuros e de intensas polaridades como o que estamos agora.

A humanidade percorreu um longo caminho de desenvolvimento da confiança e isso nos impulsiona a criar as condições de consciência para uma existência em liberdade. O cultivo da confiança pode nos ajudar na evolução da nossa consciência, pois através da escolha consciente e livre podemos estabelecer relações mais saudáveis. A força da confiança nos ajuda a construir pontes e fortalecer relações conosco, com as pessoas, com as coisas e com as ideias, ou seja, com tudo que nos cerca e nos torna humanos.

A confiança faz o ser humano sair do movimento pendular entre a confiança cega e a desconfiança. É uma qualidade do meio, de equilíbrio, que deve ser cultivada na busca da homeostase interna e externa. A confiança não é o oposto da desconfiança, ela é oposta ao medo. Então o desenvolvimento de forças da confiança tem relação direta com a coragem, com a ação a partir do coração. Esta se evidencia na nossa ação concreta, não é o que eu sinto, penso ou falo, mas aquilo que eu faço e como faço. Tem relação direta com a vontade e com o agir.

No processo de coaching individual podemos auxiliar o perfomer a cultivar a autoconfiança e a confiança nas suas relações com as pessoas, as coisas e as ideias, através do fortalecimento da sua essência e da sua potência como ser humano que se transforma e evolui sempre a partir das suas relações. Podemos apoiá-lo a se escutar e reconhecer suas potencialidades e seus limites.

O coaching é uma dança na qual o performer dá o compasso. E quando o tema é autoconfiança, é necessária ainda mais presença, atenção e intenção de parceria com o perfomer, pois a crise desta força nem sempre está explicita para ele e pode passar despercebida para nós. Em alguns casos, a fala vem carregada de “eu faço e aconteço”, mas a ação não está em consonância com o que ele diz. Pode também ter um vazio, um buraco que não é possível nominar nem significar no primeiro momento.

A principal ferramenta a ser usada nesses casos é a nossa atitude acolhedora e o espelhamento das qualidades e dos valores que o fizeram chegar até ali. Outro gesto fundamental é demostrar que confiamos genuinamente nele e na sua capacidade de fazer o que ele sente que precisa ser feito. Se não tivermos essa confiança, essa certeza interna em nós, seremos incapazes de ajudar. É como se através de nós e da nossa confiança depositada em que ele é, o performer pudesse olhar para si próprio com mais amor e sustentar o seu poder. Isso já traz transformações muito significativas no agir e possibilita o cultivo da autoconfiança.

Lembro-me de uma cliente que trouxe a questão de ser a única executiva mulher entre vários homens na gestão de operações. Ela não compreendia por que estava ali e o que a fazia ser diferente das outras. De uma hora pra outra se viu duvidando de si mesma. Iniciamos pela biografia e fizemos um grande levantamento de todas as suas qualidades, desafios e conquistas presentes ao longo de sua vida. Depois ela foi realizando pequenas atitudes que eram muito celebradas a cada sessão o que a ajudou a cultivar a autoconfiança, a perceber os resultados extraordinários de suas ações e a se perceber como uma referência para toda a organização.

O medo pode ser muito paralisante e gerador de muita angústia. Nesses casos é preciso muita delicadeza e cautela do coach para ajudar o performer a olhar e perceber o que está por traz da não ação. Já vivenciei muitos casos em que a paralisia, o medo tinha conexão com a criança ferida do executivo. Quando isso vem à tona, é hora dele buscar um processo de psicoterapia que possa abordar o tema com mais tempo e profundidade. Mas quando essa constatação emerge para consciência já é um grande passo no processo de transformação, pois o autoconhecimento é fundamental para o cultivo da autoconfiança.

Colocando um pouco do nosso foco nos grupos, nos processos de team coaching, podemos apoiar as pessoas a cultivar a confiança mútua, fundamental para que as equipes alcancem os objetivos comuns de forma saudável. Nesse caso, oportunizamos um espaço para que o time perceba suas necessidades, revele suas intenções genuínas, avalie as capacidades presentes e estabeleçam acordos e compromissos. O time percebe que quando depositamos confiança no outro, criamos espaço para que ele possa agir e expressar sua vontade. Para construir confiança mútua também a ação é imprescindível, alguém deve agir e dar o primeiro passo para depositar confiança. 

Quando alguém deposita confiança em outra pessoa pode tornar-se vulnerável. Isso pode gerar medo e insegurança sobre como o outro preencherá o espaço que lhe foi concedido.  Para Brené Brown (2012), estar vulnerável e aberto passa pela reciprocidade e é uma parte integrante do processo de construção de confiança que é feito de forma lenta, por camadas que vai acontecendo com o tempo. Precisamos aproveitar o que ela chama de “momentos de porta entreaberta” para cultivarmos a confiança.

Se a confiança é uma força construtiva e imprescindível para a vida social, precisamos cultivar confiança através de um “longo caminho de muitos pequenos passos.” A confiança necessita de cuidados constantes, deve ser  tratada como uma planta delicada que deve ser regada, adubada e limpa, tirando-se o que não serve mais (as folhas mortas).

Primeiro passo desse cultivo é depositar (doar) confiança autêntica quando não existe fato concreto que demostre se posso ou não confiar em alguém ou algo. Ou seja, começamos por um lado do pêndulo com a confiança cega. Se o outro retribui também depositando confiança, vamos criando aos poucos o alicerce para confiança e assim chegar ao ponto de equilíbrio. Criarmos um espaço de confiança, onde existem acordos e limites. Além disso, é necessário ter clareza da intenção (para que?), das capacidades (como? quem?), do compromisso e do resultado esperado.

Muitas vezes, a confiança é abalada por causa da falta de clareza das intenções verdadeiras que estão por trás de uma ação. Se estas não são claras, podemos gerar muitas ilusões e consequentes frustações. E para gerar espaço de confiança, Lex Bos nos ensina uma regra de ouro, o exercício contínuo da atitude questionadora, que nos ajuda a evitar julgamentos e conclusões rápidas. Aqui é um outro campo de atuação importante do coach que pode gerar boas perguntas a fazer para o performer.

A confiança tem relação com o passado, presente e futuro. A confiança inconsciente na vida é construída a partir do que já vivemos, das experiências do passado. Precisamos confiar que nossas experiências prévias nos levaram a conhecer e a aprender e que com isso podemos seguir em frente sem ter que estar atento o tempo todo no que estamos fazendo. Já no presente, a confiança se manifesta como sentimento direto, já que se eu confio no ambiente em que estou, me sinto seguro e vice-versa. Mas “é em direção ao futuro que a confiança estende seus sensores, tanto para perto quanto para longe” (Lex Bos, 2009).  Nós vivemos na expectativa (confiança) de que determinadas coisas irão acontecer. Por isso, a confiança está ligada às forças da vontade. Quando uma pessoa confia em algo ou em alguém, ela alimenta expectativas sobre isso e se estas não forem atendidas, ela começa a retirar confiança ao invés de depositar, podemos chamar isso de conta corrente da confiança.

Quanto mais confiança tenho, mais rico estarei em todas as minhas relações. 

Como a força da confiança tem relação com o futuro é natural que estejamos constantemente oscilando entre a confiança cega e a desconfiança, precisamos conscientemente e em liberdade escolher o caminho do meio da confiança. O futuro é desconhecido, diverso, convergente e divergente ao mesmo tempo. Esse futuro que num piscar de olhos é presente, nos convida à coragem, a agir com o coração para cultivar a confiança e assim manter uma relação saudável com quem somos e com quem os outros são.

Referências:

BOS, Lex. Confiança, doação, gratidão: forças construtivas da vida social. Ed. Antroposófica: São Paulo, 2009.

BROWN, Brené. A coragem de ser imperfeito. Editora Sextante: Rio de Janeiro, 2012.

(Artigo publicado originalmente na Revista Coaching Brasil, em Junho/2021. Edição 97)

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