Por Luna M. Weyel,
coach e consultora associada EcoSocial

Buscar significa: ter um objetivo. Mas encontrar significa: ser livre, estar aberto, não ter objetivo. (Hermann Hesse – Siddhartha)

Ninguém pode ver nem compreender nos outros o que ele próprio não tiver vivido. (Hermann Hesse)

Clareza proporciona foco. (Thomas Leonard)


Nas últimas duas décadas, a Antroposofia ganhou espaço e reconhecimento dentro das organizações graças ao trabalho sério e profundo de coaches, consultores e autores que se debruçaram, estudaram e sistematizaram a filosofia de Rudolf Steiner ao universo organizacional. O impacto ocorreu nas dimensões individuais, com trabalhos de desenvolvimento de executivos, coletivos, com equipes e áreas, e organizacionais, no nível mais estratégico possível, do alinhamento de propósitos e estratégias ao desdobramento em processos e realizações. Mas ainda há muito a beber na fonte da Antroposofia e isso será mostrado.

Deste universo antroposófico, as aplicações de trimembração e quadrimembração foram bastante utilizadas com êxito, mas restou inexplorada uma potente fonte de aprendizado e desenvolvimento, individual e coletivo, no entendimento e aprofundamento dos arquétipos das qualidades anímicas. Segundo Edna Andrade, aconselhadora biográfica, autora e estudiosa da Antroposofia, “as qualidades anímicas são características que fundamentam aspectos e particularidades da vida emocional do indivíduo e se manifestam no comportamento, atitudes e escolhas de vida e carreira do executivo, tendo uma influência marcante na forma como se constroem as relações e, principalmente, nas formas de liderança”. Olhar o desenvolvimento pelo prisma das qualidades anímicas permite ao indivíduo um maior autoconhecimento que leva a um novo patamar a qualidade das relações em time e as conversas de ajuda dentro das organizações.

A busca pelo significado, pelo vínculo e pela humanização em tudo o que se faz talvez seja um dos maiores impactos da crise mundial que vivemos. O nosso tempo interno e externo, o sentido das coisas, a resiliência diante do imprevisível e diante das diferentes formas de se relacionar fazem-nos enfrentar o paradigma do medo e da virtualização, sobrando as perguntas: Onde está a humanidade?  O que é ser humano no mundo de hoje? Para mim a melhor resposta é: O que nos define como humanos é o livre arbítrio. E isso tem tudo a ver com coaching e Antroposofia.

Ao se voltar para a definição do que são as competências essenciais do coach, atualizadas pela ICF (International Coaching Federation) e publicadas em 2021, nota-se que elas estão organizadas de forma que se pode fazer um paralelo com as qualidades anímicas de Rudolf Steiner.

Segundo Maria Angélica Carneiro, MCC-ICF e Consultora do EcoSocial, “o novo modelo (de competências) é mais focado no Ser Humano, mais holístico e menos processual. Esta mudança de perspectiva exige mais autoconhecimento e desenvolvimento do coach, visto que ele explorará mais conteúdos do cliente. O coach deverá primeiro ser, explorar em si, para então doar-se ao outro. Mais presente e fundamentado na parceria, isso exigirá muito a presença para acessar os conteúdos do cliente. – Como eu sou com a minha vulnerabilidade para convidar a vulnerabilidade do cliente –. Isso vai gerar mais aprendizado sobre que tipo de coach eu quero ser. Este espaço acontece quando o cliente assume seu EU em um espaço aberto pelo Ser Coach.”

O quadro a seguir demonstra a correlação entre as competências da ICF e as qualidades anímicas da Antroposofia:

Cada competência do coach é sustentada por uma atitude, uma postura com certas qualidades que evocam o outro e criam o ambiente. Ao se pensar em autodesenvolvimento, o ponto de partida sempre deve ser a educação da atitude predominante, mas observar também o estilo oposto ajuda a identificar as qualidades que se precisa desenvolver. Esse reconhecimento das polaridades e seus pesos no seu comportamento permitirá a busca do equilíbrio, adequado para cada situação.

Dentro do bloco A. Fundamentos, apresentam-se 2 competências. A 1. Demonstra a prática ética exige do coach qualidades anímicas “jupterianas” como a capacidade de ordenar, ponderar, integrar e estruturar a relação e o processo com o cliente, com integridade e honestidade. A competência 2. Incorpora a mentalidade de coaching, por sua vez, demanda do coach a qualidade “solar” de observar o pensar, sentir e querer em si próprio e no cliente, uma presença com a totalidade do Ser, gerando aprendizado e desenvolvimento contínuos para ambos.

No bloco B. Cocriação do relacionamento das competências da ICF descreve-se a terceira, quarta e quinta competências essenciais para uma boa prática de coaching. São elas: Estabelece e mantém acordos; Cultiva confiança e segurança; e, Mantém presença. Quando se aprofunda na competência 3. Estabelece e mantém acordos percebe-se a busca de qualidades anímicas denominadas na Antroposofia de “lunares”. São qualidades de espelhar, detalhar e fixar, a fim de conseguir melhor descrever o processo para o cliente e definir as responsabilidades de todas as partes chegando num acordo para o processo e fazendo a gestão do mesmo. Para isso, é necessário refletir como um espelho para ajudar o cliente a se ouvir e se enxergar de forma mais concreta, identificando padrões de comportamento, cuidando do tempo e do foco da sessão.

Já a competência 4. Cultiva confiança e segurança demanda do coach conseguir estabelecer uma parceria com o cliente, criando um ambiente seguro e de apoio com respeito e confiança mútuos. Para tanto são necessárias atitudes que são, na visão antroposófica, atitudes “venusianas”. É primordial o desenvolvimento da habilidade do coach de ouvir e de apoiar o cliente de forma empática, criando um ambiente seguro de forma que se possa explorar os sentimentos mais profundos, sustentando o processo.

Para demonstrar a competência 5. Mantém presença o coach emprega suas qualidades “saturninas” para permanecer focado, atento, empático, receptivo e responsivo ao cliente, gerenciando as próprias emoções para permanecer presente, criando espaço para silêncio, pausa e reflexão. Aqui os verbos que imperam na atitude do coach são aprofundar, enfocar, especializar. É quando o coach ajuda o cliente a se aprofundar, a colocar foco na sua questão e auxilia a dar um direcionamento ao assunto de forma consciente de sua responsabilidade.

Outra competência que quero detalhar aqui é a 7. Evoca conscientização, do bloco C – Comunicação eficaz. É comum cair no lugar da busca racional da consciência, mas o que se faz na abordagem antroposófica é proporcionar uma experiência integral dessa conscientização, que passe pelo pensar, sentir e querer. Especificamente nesta competência onde se busca facilitar as descobertas e aprendizados do cliente é preciso muita atenção, sensibilidade e movimento usando a energia ágil, flexível e inovadora da qualidade anímica “mercurial” para fazer questionamentos e analogias poderosas.

Com esta atitude, o coach consegue desafiar o cliente e provocar descobertas, demonstrando curiosidade sobre sua maneira de pensar, seus valores e necessidades, anseios e crenças, indo além do pensamento padrão do cliente e gerando novos pontos de vista. Assim o coach convida o cliente a compartilhar e descobrir mais sobre si mesmo gerando novas ideias sobre o tema, sobre suas capacidades e sobre planos de ação. Com uma postura “mercurial” o coach consegue ajustar sua abordagem de coaching de acordo com o que o cliente apresenta, ajuda-o a sair da paralização e facilita o processo para que entre em fluxo.

E, para fechar, o bloco D. Cultivo do aprendizado e crescimento apresenta a competência 8. Facilita o crescimento do cliente. É com as atitudes “marcianas” que o coach apoia o cliente a projetar metas, ações e medidas de responsabilização que integram e expandem novos aprendizados, empregando a sua qualidade maior de confrontar, transformar e levar adiante.

Bem se sabe que na prática das conversas de ajuda para “chamar” as atitudes essenciais num determinado contexto não basta ter os conceitos claros, é preciso estar exercitando tudo isso de forma consciente na prática e, mais do que isso, buscar o autoconhecimento sempre. Nessa busca é de grande auxílio que cada indivíduo identifique as atitudes anímicas que lhes são predominantes, aquelas qualidades de se relacionar com o mundo que começaram a se manifestar por volta da sua juventude. A combinação das qualidades anímicas de cada indivíduo configura o seu estilo de lidar com as pessoas e acompanha cada ser humano ao longo de sua vida. Ter consciência do seu estilo ajuda a empregar de forma eficaz suas potências, colocando atenção no desenvolvimento de novas posturas necessárias, cuidando para não projetar nos outros as suas questões e, ainda, desenvolvendo presença e tato ao lidar com outros estilos que se encontram nas diferentes relações que acontecem no dia a dia.

A identificação do próprio estilo é fundamental e advém de estudo, autoanálise, busca de ajuda de um coach que tenha se aprofundado em Antroposofia ou de um aconselhador biográfico, ou ainda do submeter-se a assessments disponíveis com profissionais da área. Esta clareza e conhecimento de si mesmo é tão importante ao coach quanto a capacidade de se conectar com seu cliente e criar um ambiente de confiança, pois, proporcionará ao coach, consciência e habilidade de transitar e empregar todas as competências necessárias para conduzir um bom processo de coaching.

Então se você já costuma contratar coaches e consultores que trabalham com base nos fundamentos da Antroposofia saiba que tem muita água para beber nesta fonte. Você pode contar com o apoio destes profissionais para descobrir mais sobre o universo das qualidades anímicas e do desenvolvimento integral do ser humano. E se você é um coach ou consultor que ainda não conhece tão bem este assunto, comece por você mesmo, identifique seu estilo – quais as suas qualidades anímicas predominantes? – e amplie seu autoconhecimento e sua atuação facilitadora nas conversas de ajuda. A diferença é significativa, contribui e muito com a autoconfiança e ancora sessões de coaching mais ricas e profundas. Como dizia Goethe, a maneira de conhecer a si mesmo não é a contemplação, e sim a ação. Acrescentaria que a reflexão sobre as próprias qualidades anímicas, e o olhar atento sobre a interação das suas com as dos clientes, ou as de um líder com as dos seus liderados, as de um pai/mãe com as de seus filhos ou entre irmãos, é um campo ainda muito vasto e produtivo, capaz de alentar ansiedades, minimizar conflitos, facilitar escolhas e entregar concretudes. 

(Artigo publicado originalmente na Revista Coaching Brasil, em Junho/2021. Edição 97)

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